E lá vamos nós com mais um post. Desta vez quis trazer a minha experiência de ter feito workshops num lugar muito foda: Plein Air Studio (Sp). Só pra constar, este post não é patrocinado. Quis relatar aqui sobre a experiência muito boa que tive por lá. 😉
Me acompanhe nessa aventura no mundo das mídias tradicionais.
Caso você ainda não conheça o Plein Air Studio, saiba que é um estúdio/atelier em São Paulo que, como consta na página deles, é “criado por artistas e para artistas”. O foco é o ensino acadêmico de desenho e pintura tradicional, baseado na abordagem dos grandes mestres e academias. O ambiente é extremamente agradável, os profissionais possuem muito conhecimento e qualidade, e a arte está presente em cada conversa entre as pessoas ali presentes. A produção ali é uma constante e muito bem direcionada
Como não moro mais em São Paulo, aproveitei os cursos intensivos de férias que são uma excelente opção para quem é de fora. Todos sabemos que em uma semana não vamos nos tornar mestres naquilo que fazemos, mas o fato de ser intensivo faz nosso pensamento ficar imerso na produção e gera um ritmo muito bom. Minha prática com pintura tradicional sempre foi quase nula, então optei por fazer o Fundamentos da Pintura com o Georg Mend e o Color Sketches com o Alexandre Reider, ambos na mesma semana.
Tá, vou confessar algo: eu me programei pra fazer cursos nas duas semanas de workshop, totalizando 6 cursos (manhã, tarde e noite). Mas dei uma segurada na empolgação pois tinha outras coisas pra resolver nessa viagem, então optei apenas por esses dois com o objetivo de ter um contato mais próximo com a técnica à óleo. Ambos os cursos lidam com a observação, sejam de cenas montadas em sala, modelo vivo ou de fotografias.
Fundamentos da Pintura – Georg Mend
Esse curso abrange o que o nome diz: Fundamentos. Georg Mend explora os tópicos de base (luz, sombra, valores, cores) e auxilia a entender a técnica de lidar com o óleo. Além da qualidade dos seus trabalhos ele também possui uma didática muito boa.
Na primeira aula trabalhamos de início a famosa observação da ‘bolinha’ (luz, sombra, rebatimentos) além de conversarmos um pouco sobre bordas (edges). É interessante ver que existe um processo para lidar com a tinta óleo e que o gestual, pinceladas e fluidez gerados é algo muito prazeroso de se experimentar com as tintas. Digo isso pois sempre trabalhei com o digital e apesar da liberdade praticamente infinita que esse meio traz, ainda hoje acho difícil conseguir resultados como pinceladas mais soltas ou misturas de cores reais. É possível, mas a reação do pincel/tinta/tela, não é natural. Precisamos usar outros recursos pra tornar essa impressão mais próxima (visualmente) do real.
Na sequência da mesma aula trabalhamos a observação de um crânio de também de objetos de isopor. Na primeira passagem tudo era basicamente monocromático (análogo na verdade, pois usamos cores próximas na paleta), e depois experimentamos entrar com cinzas por cima do underpainting.
- Underpainting é uma técnica onde fazemos uma pré-pintura pra estabelecer um direcionamento ou apontamento para a pintura, e também uma direção aos valores e cores. A tendência natural deste apontamento é ser transparente (a chamada ‘pintura magra’), mantendo a textura da tela e criando uma luminosidade pra pintura. Algo próximo de uma aguada na aquarela. Existem alguns tipos de underpainting, podendo ser feito com tons mais quentes e terrosos ou dar uma cor geral que guia a pintura. Essa base também ajuda visualmente na mistura de cores que vier por cima
Como a base do underpainting era um ocre (quente), quando aplicamos o cinza feito da mistura de branco e preto mesmo, esse cinza assume uma entonação mais fria
Nas duas aulas seguintes, trabalhamos o famoso ‘Still Life’ (natureza morta ou estática). Objetos, tecidos e luzes compunham o set que reproduzimos. Aqui a variedade de cores aparece, devido a cena montada. O processo inicial é como das outras vezes: traçamos uma estrutura inicial e depois começamos a blocar as cores. Quando entram mais cores na paleta, uma das maiores dificuldades que sinto é você ver uma cor, conseguir chegar na mistura dessa cor e ao mesmo tempo interpretar a cena na pintura. Essa relação de observar algo e traduzir pra pintura, sem o objetivo de simplesmente copiar, é algo bem complexo e a prática e experiência, como sempre, vai trazendo melhores resultados.
Depois entramos na produção de uma paisagem. Como eu fazia na mesma semana o Color Sketches do Reider, o assunto estava bem fresco na cabeça. Isso é algo interessante: os cursos se conectam de alguma forma, assim o assunto que está sendo aprendido é reforçado.
Pra fechar o curso, trabalhos um retrato. O processo é basicamente o mesmo independente da temática. Aqui além da construção da estrutura, exploramos a variação de tons e cores da pele, interferência de luz ambiente, entre outras variáveis.
Poder explorar diversas temáticas como fizemos (luz e sombra em objetos, natureza morta, paisagem e retrato) dá um dinamismo e nos permite explorar um pouco de cada situação.
Pelo tempo de cada aula, a preocupação não era a finalização das obras em si, mas sim da construção e entendimento dos fundamentos. Comparado com o digital, na pintura tradicional precisamos de mais planejamento, caso a ideia seja levar aquele trabalho adiante. E ainda assim a pintura tradicional permite muitas experimentações, erros e acertos, não engessando a criatividade.
Color Sketches – Alexandre Reider
O curso de Color Sketches é bem próximo do pensamento do pessoal que trabalha com concept art, onde a ideia é capturar a essência do que está sendo observado (ou criado, no caso do concept) e traduzir aquilo em formas, cores e pinceladas mais rápidas para “concretizar” a cena. E sempre num tamanho reduzido: usamos telas de 30x40cm, divididas em 4 partes, cada parte para pintar um sketch. Alguém aqui está lembrado da matéria sobre Composição? Nela é falado sobre a importância dos Thumbnails. Veja neste link este conceito que é algo aplicável aos sketches também.
Esse curso é de nível Intermediário/Avançado, sugerido conhecimento prévio de técnicas, uma observação mais apurada ou familiaridade com a mídia. Como eu disse no começo, praticamente nunca lidei com o óleo e consegui tocar o curso tranquilo. O ritmo do curso é intenso, o que ajuda bastante para soltar a mão. Também me ajudou fazer mais de um curso pois assim o processo ficou mais imersivo ainda (e de novo, este não é um post patrocinado..haha)
Pra quem conhece o trabalho do Alexandre Reider, dispensa apresentações. Ver como resolve os sketches, mistura as cores e aplica as pinceladas mostra toda maestria e domínio de um artista conceituado como ele é. Chega dar aquela ‘raivinha’ sabe? Tipo “to a meia hora aqui tentando fazer um mato e ele vem e em três pinceladas resolve toda a parte da frente da pintura?!”. É exatamente isso que acontece. Não importa se empacou numa cena ou se sua paleta de cor está estranha, ele resolve. Foda..
Abrindo um parênteses aqui: existe uma tendência de valorizarmos o que vem de fora, e em nossa área fazemos isso com muitos artistas. A qualidade do Reider e dos outros profissionais que estão no Plein Air Studio é algo inquestionável. Se quiser tirar a prova, é só ter a oportunidade de vê-los pintar e conversar com eles. 😉
Como o curso é baseado em paisagens (landscapes) a temática não varia, mas as referências e paletas de cores sim. Então em cada aula experimentamos um conceito diferente de paletas, baseado naquilo que vamos observar. Cada referência fotográfica vai ditar a melhor paleta para reproduzi-la. Outra coisa legal do tradicional que podemos aplicar perfeitamente no digital é a paleta de cor reduzida: antes de começar o trabalho, definir uma paleta com poucas cores e trabalhar com elas e as misturas geradas. Isso facilita muito e nos ajuda a não se perder pela quase infinita possibilidade de cores a serem usadas.
Trabalhamos com cores primárias e algumas outras variações incluindo aí a paleta Zorn: composta de amarelo ocre, vermelho cádmio, preto e branco, onde o cinza gerado com esse preto e branco assume a parte fria de uma pintura. Lembra lá em cima quando citei esse pensamento na introdução do curso com o Mend? E lembra que falei dos cursos se conectarem? Então, é isso. 🙂
O conceito que o Reider usa nos sketches é o mesmo que se pode aplicar numa pintura de grande formato. Como falei, o sketch é feito num tamanho reduzido e nesse caso funciona como um preview da estrutura da sua pintura, além de um estudo de cores e valores.
Não é muito comum as pessoas produzirem assim: geralmente sentamos e produzimos algo do começo ao fim. Mas se analisarmos vários artistas, métodos, academias, escolas, grandes mestres, etc, veremos que existe muito estudo ANTES de colocarmos o pincel na tela (ou tablet) e produzirmos algo. É importante ter isso em mente pois vejo que muito da ansiedade que acomete a muitos, vem dessa questão de querer executar algo do começo ao final numa ‘sentada’ só. O digital acaba gerando boa parte dessa ansiedade também. Queremos já ter o assunto na cabeça e as soluções na ponta dos dedos e produzir. Por isso sugiro desacelerar um pouco e produzir algo de forma mais consciente, mais pensada, intercalando com estudos mais soltos e rápidos (como color sketches ou thumbnails).
Veja esta outra matéria sobre estudos rápidos.
Lembre-se: tudo aqui o que foi aplicado no meio tradicional pode ser feito no digital. A base e os fundamentos são os mesmos, só adaptamos as técnicas e a forma de trabalhar.
CONCLUSÃO
A experiência de ter feito estes workshops foi muito engrandecedora. É o tipo de atelier onde dá vontade de dar um pulo todo dia, só pra dar aquela inspirada. Todos os profissionais ali tem conhecimento de causa no que dizem e fazem, as pessoas são muito simpáticas e todo o ambiente respira arte. Eu falo bastante do ambiente porque isso faz uma diferença. Você estar no meio de artistas, ver obras, estudos, conhecer e conversar com os alunos, ouvir uma música, enfim, tudo isso torna o processo todo imersivo. Cria o ‘clima’ pra produzir. 😉
Pra mim foi bastante válido estar em contato com as tintas, tirar aquele medo que muitos temos de experimentar. E lidar com o tradicional é algo que aproxima o artista da obra, onde os sentidos estão todos presentes: o cheiro da tinta (que pode não ser tão agradável para alguns), o toque dos materiais, a sujeira que é gerada, o antes e depois de pintar (lavar pincéis, etc), o cálculo ou o risco de testar uma cor ou pincelada, tudo isso mexe na nossa percepção. E o aprendizado que é gerado é único.
Além dos profissionais citados, vou incluir mas três aqui que estavam por lá na semana em que fiz os workshops (lembrando que outros grandes profissionais também dão aula lá). O sempre cheio de energia e simpatia, Leo Dolfini (ele já foi meu aluno de pintura digital lá na Melies) que tem um trabalho fantástico e estava dando aulas de desenho e aquarela; o grande Charles Oak que já conhecia ‘virtualmente’ e o mestre Marcus Claudio que é de uma modéstia do tamanho de sua arte. Foi um grande prazer conhecê-lo.
O ponto mais curioso da viagem foi ter sido convidado por eles para posar de modelo pra última aula de desenho de retrato da turma do Marcus Claudio. Foi uma experiência bem legal e se ver representado no trabalho dos alunos é algo bem gratificante. Cheguei a pensar se deveria seguir carreira, mas não seria justo com os outros modelos. 😃
Sobre a ideia original de ter feito cursos durante os três períodos (manhã, tarde e noite) teria sido algo totalmente imersivo e intensivo. Porém, confesso que ficar em dois cursos, tarde e noite, pintando geralmente em pé, já me deixava fisicamente e mentalmente exausto, principalmente do meio pro final da semana. Então uma dica, caso você queira fazer isso, é estar ciente do esforço e ir com roupas e sapatos confortáveis pra que isso não seja um fator que atrapalhe. Aí é só se concentrar e deixar a mente livre pra desenhar e pintar.
Mesmo exaustivo, gostaria de ter tido a experiência de fazer esse intensivão de duas semanas de cursos lá. Quem sabe na próxima..
Para mais contato entre no site do Plein Air Studio e, se for de fora de Sp, fique de olho nos cursos de férias todo começo e meio de ano. Como estamos em maio/2018, já aviso que as aulas de julho/2018 já estão sendo divulgadas. Corre lá, porque alguns cursos esgotam rápido.
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