Em 2016 li esse post sobre um texto do Moebius, onde ele relata dicas para aspirantes a artistas. Na verdade esse texto provém de uma entrevista que ele fez pra um jornal espanhol, que foi traduzida pro inglês, que foi traduzida pro português!! 😀
O link original está no final desta matéria. Fique com as dicas desse artista mais que sensacional:
1) Quando você desenha, você deve livrar-se de sentimentos profundos, como ódio, felicidade, ambição, etc.
2) É muito importante educar sua mão. Faça com ela atinja um alto nível de obediência, de forma que ela será capaz de expressar apropriada e completamente suas ideias. Mas seja muito cuidadoso ao tentar obter muita perfeição como artista, bem como muita velocidade. Perfeição e velocidade são perigosas — já que são opostas. Quando você produz desenhos que são muito rápidos ou muito soltos, além de cometer erros, você corre o risco de criar uma entidade sem alma ou espírito.
3) Conhecimento de perspectiva é de uma importância suprema. Suas regras fornecem uma maneira ótima e positiva de manipular ou hipnotizar seus leitores.
4) Outra coisa para abraçar com afeto é o estudo do corpo humano — sua anatomia, posições, tipos físicos, expressões, construção e as diferenças entre as pessoas.
Desenhar um homem é muito diferente de desenhar uma mulher. Com homens, você pode ser mais solto e menos preciso em sua representação; pequenas imperfeições podem às vezes adicionar caráter. Ao desenhar uma mulher, no entanto, deve ser perfeito; uma única linha mal colocada pode envelhecê-la drasticamente ou fazê-la parecer chata ou feia. Então, ninguém comprará seu quadrinho!
Para que o leitor acredite em sua história, seus personagens devem dar a sensação de que possuem vidas e personalidades próprias.
Seus gestos físicos devem parecer emanar das forças, fraquezas e enfermidades de seu caráter. O corpo se transforma quando ganha vida; há uma mensagem em sua estrutura, na distribuição de sua gordura, em cada músculo e cada ruga, prega ou dobra da face e do corpo. Ele se torna um estudo da vida.
5) Quando você cria uma história, você pode começá-la sem saber de tudo, mas você deve tomar notas enquanto prossegue, em relação às peculiaridades do mundo representado em sua história. Tais detalhes fornecerão aos seus leitores características reconhecíveis que irão atrair seus interesses.
Quando um personagem morre em uma história, a menos que o personagem tenha tido sua história expressada de alguma forma no desenho de sua face, corpo e vestimentas, o leitor não se importará; seu leitor não possuirá qualquer conexão emocional.
Seu editor pode dizer, “Sua história não tem valor; só há um cara morto – Eu preciso de vinte ou trinta caras mortos para que isso funcione.” Mas isso não é verdade; se o leitor pensar que o cara morto, ou machucado, ou ferido, ou seja lá quem estiver com problemas, possui uma personalidade real, resultante dos seus próprios estudos profundos da natureza humana – com a capacidade de um artista para tal observação – as emoções irão surgir.
Com tais estudos você desenvolverá e ganhará atenção dos outros, bem como compaixão e amor pela humanidade.
Isso é muito importante para o desenvolvimento de um artista. Se ele deseja funcionar como um espelho da sociedade e humanidade, esse espelho dele deve conter a consciência do mundo inteiro; deve ser um espelho que vê tudo.
6) Alejandro Jodorowsky diz que eu não gosto de desenhar cavalos mortos. Bem, isso é bem difícil.
Também é muito difícil desenhar um corpo adormecido ou alguém que foi abandonado, porque na maioria dos quadrinhos a ação é sempre aquilo que é estudada. É muito mais fácil desenhar pessoas lutando – é por isso que os americanos praticamente sempre desenham super-heróis. É muito mais difícil desenhar pessoas que estão conversando, porque aí há uma série de movimentos bem pequenos – pequenos, mas ainda assim com real significância.
Isso conta mais devido a nossa necessidade humana de amor ou da atenção dos outros. São essas pequenas coisas que falam de personalidade, da vida. A maioria dos super-heróis não possui nenhuma personalidade; todos eles usam os mesmos gestos e movimentos.
7) Igualmente importantes são as vestimentas dos seus personagens e o estado do material da qual elas foram feitas.
Essas texturas criam uma visão das experiências de seus personagens, suas vidas, e seus papéis em sua aventura de tal forma que muito pode ser dito sem palavras. Em um vestido há milhares de dobras; você precisa escolher apenas duas ou três – não desenhe todas. Apenas certifique-se de escolher as duas ou três que sejam boas.
8) O estilo, a continuidade estilística de um artista e sua apresentação em público são cheias de símbolos; eles podem ser lidos como um baralho de tarô. Eu escolhi meu nome “Moebius” como uma piada quando eu tinha vinte e dois anos – mas, na verdade, o nome acabou ressoando com significado. Se você chega vestido com uma camiseta de Don Quixote, isso me diz quem você é. No meu caso, fazer um desenho de relativa simplicidade e indicações súbitas é importante para mim.
9) Quando um artista, um verdadeiro artista em atividade, sai pelas ruas, ele não vê as coisas da mesma forma que pessoas “normais”. Sua visão única é crucial para documentar uma forma de vida e as pessoas que a vivem.
10) Outro elemento importante é a composição. As composições em nossas histórias deveriam ser estudadas porque uma página, ou uma pintura, ou um papel é a face que olha para o leitor e conversa com ele. Uma página não é apenas uma sucessão de painéis insignificantes. Há painéis que são cheios. Alguns que são vazios. Outros são verticais. Alguns horizontais. Todos são indicações das intenções do artista. Painéis verticais excitam o leitor. Horizontais o acalmam. Para nós no mundo ocidental, a movimentação em um painel que vai da esquerda pra direita representa ação em direção ao futuro. Mover da direita para a esquerda direciona a ação rumo ao passado. As direções que nós indicamos representam a dispersão de energia. Um objeto ou personagem colocado no centro de um painel foca e concentra energia e atenção. Esses são símbolos e formas básicas de leitura que evocam no leitor uma fascinação, uma espécie de hipnose. Você deve ter noção de ritmo e preparar armadilhas para o leitor cair, de forma que, quando ele cair, ele se perca, permitindo a você manipulá-lo e movê-lo dentro do seu mundo com maior facilidade e prazer. A razão disso é que aquilo que você criou é uma sensação de vida. Você deve estudar os grandes pintores, especialmente aqueles que falam com suas pinturas. Suas escolas ou gêneros individuais de pintura ou suas épocas no tempo não devem importar. Suas preocupações com a composição física, assim como com a composição emociona, devem ser estudadas para que você aprenda como suas combinações de linhas funcionam para nos tocar diretamente dentro de nossos corações.
11) A narração deve harmonizar com os desenhos. Deve haver um ritmo visual criado pela disposição do seu texto. O ritmo de seu enredo deve ser refletido em sua cadência visual e a forma que você comprime ou expande o tempo.
Como um cineasta, você deve ser muito cuidadoso em como escolher seu elenco e como dirigi-los. Use seus personagens ou “atores” como um diretor, estudando e então selecionando dentre as diferentes tomadas de seus personagens.
12) Cuidado com a influência devastadora dos quadrinhos norte americanos. Os artistas no México parecem apenas estudar seus efeitos superficiais: um pouco de anatomia misturado com composições dinâmicas, monstros, lutas, gritarias e dentes. Eu também gosto de algumas dessas coisas, mas há diversas outras possibilidades que também valem a pena ser exploradas.
13) Há uma conexão entre música e desenho. O tamanho dessa conexão depende da sua personalidade e do que está ocorrendo neste momento. Pelos últimos dez anos eu tenho trabalhado em silêncio; para mim, há música no ritmo das minhas linhas. Desenhar as vezes é uma busca por descobertas. Uma linha precisa, executada com beleza, é como um orgasmo!
14) Cor é uma língua que o artista gráfico usa para manipular a atenção do seu leitor, assim como para criar beleza. Há cores objetivas e subjetivas. Os estados emocionais dos personagens podem mudar ou influenciar a cor de um painel para o próximo, bem como para lugar e período do dia. Estudo e atenção especiais devem ser prestados para a linguagem da cor.
15) No começo da carreira de um artista, ele deve envolver-se principalmente na criação de histórias curtas de alta qualidade. Ele tem uma chance melhor (do que com histórias em formatos longos) de completá-las com sucesso, enquanto manter um alto padrão de qualidade. Isso também tornará mais fácil colocá-las em um livro ou vendê-las para um editor.
16) Há momentos em que nós conscientemente nos dirigimos para o caminho da falha, escolhendo o tema ou assunto errado para nossas capacidades, ou escolhendo um projeto muito grande, ou uma técnica inadequada. Se isso acontecer, você não deve reclamar depois.
17) Quando um novo trabalho tiver sido enviado a um editor e receber uma rejeição, você deve sempre perguntar e tentar descobrir as razões para a rejeição. Estudando as razões de sua falha, somente assim podemos começar a aprender. Não é uma questão de lutar contra nossas limitações, com o público ou com os editores. Um indivíduo deve tratar isso com uma abordagem mais parecida com a do aikido. É a própria força e poder do nosso adversário que é usada como chave para derrotá-lo.
18) Agora é possível expor nossos trabalhos para leitores em toda parte do mundo. Nós devemos sempre nos manter cientes disso. Para começar, desenhar é uma forma de comunicação pessoal – mas isso não significa que o artista deve se prender em uma bolha. Sua comunicação deve ser direcionada aqueles esteticamente, filosoficamente e geograficamente próximos a ele, bem como para ele mesmo – mas também para completos estranhos. Desenhar é um meio de comunicação para a grande família que nunca conhecemos, para o público e para o mundo.
Veja o post completo de Alyne Castro no site Update or Die (2016): https://www.updateordie.com/2016/04/24/moebius-da-18-dicas-sabias-para-aspirantes-a-artistas-1996/