Não, são dois sabores, nem dois amores. Estamos falando de dois valores. Já experimentou? Acompanhe este artigo baseado num texto bem legal do James Gurney no já clássico livro ‘Imaginatve Realism’
“Você pode adicionar tanto impacto quanto fotorrealismo aumentando o contraste entre os valores mais claros e os valores mais escuros. Os valores tonais são graus de luminosidade entre o branco e o preto e estão presentes em qualquer pintura, mesmo as coloridas. Os exercícios destas páginas foram projetados para encorajar você a traduzir a complexidade de um tema em dois valores extremos, branco e preto.”
James Gurney aqui já explica o conceito do exercício: entender e traduzir a complexidade de um tema ou objeto a ser observado, em uma informação praticamente binária como preto e branco. Imagine um rosto. Quantos detalhes tem um rosto? Começando pelas grandes áreas (como devemos pensar uma pintura – do maior pro menor ou do geral pro específico) temos o nariz, olhos, boca, orelhas. E os detalhes menores como rugas, marcas de expressão, poros, etc, etc…. Muitos detalhes certo? Mas aqui nesta proposta a intenção é resumir tudo isso a valores de branco e preto.
Isso é bem comum acontecer com artistas de quadrinhos. Ele cita mestres como Roy Crane, Milton Caniff e Hal Foster contaram histórias épicas sem mais nada além de preto e branco. Vejam alguns trabalhos desses artistas:
Mas pintores, especialmente os pintores a óleo, geralmente se debatem pra conseguir contraste. Muitas pinturas sofrem do “murmúrio de meio valor” que é a tendência de pintar tudo no meio da escala tonal. Para curar você do “murmúrio de meio valor” faça um sketch onde tudo na luz é renderizado com branco e tudo na sombra é estabelecido com preto.
Nestes exemplos, James Gurney explorou esta sugestão com óleo usando poses de 15 minutos de um modelo-vivo num grupo de sketch. O modelo deve ser iluminado com uma única fonte de luz bem forte, como uma luz spotlight.
No exemplo abaixo, fiz alguns exercícios rápidos, usando este princípio, porém peguei como referência trabalhos de grandes mestres como Sargent. A diferença aqui é que minhas referências não estão iluminadas com esse alto contraste. A ideia de ser rápido é achar a essência da imagem, sem se atentar tanto aos detalhes. Podemos trabalhar a mesma proposta com intuitos diferentes. Com isso em mente, preciso escolher como vou resolver as áreas de meio tons, se vou usar branco ou preto nessa áreas, e simplificar o que vejo na referência:
Caso você faça com tinta a óleo, o ideal é ter um pincel pra cada um dos tons (branco e preto) e pintar sobre um valor intermediário, como uma base de pré-pintura. No exemplo dele existe uma cor meio ocre por baixo. Ele sugere começar pelas áreas pretas e caminhar das areas grandes para as menores (como citei lá em cima).
No meu exemplo no ambiente digital, mantive o branco de fundo em alguns, mas é possível também ter essa base de um terceiro valor como intermediário. Como utilizei o recurso de transparência no pincel, isso gerou levemente um meio tom entre os extremos (branco e preto).
Como ele mesmo cita, é necessário ter uma determinação suprema para evitar a tentação de fazer o blend, ou seja, misturar os valores gerando áreas suaves e com mistura de ambos os tons. Se contenha! E evite também neste exercício fazer um outline, ou seja, linhas de contorno em tudo. O observados da sua imagem não vai se incomodar de imaginar as bordas (edges) que você deixou pra trás.
Os sketches rápidos de James Gurney abaixo são rostos de pessoas numa audiência de música irlandesa. Eles estavam iluminados por uma única luz redondo acima deles. Foi usado uma caneta com ponta de pincel, sem um esboço a lápis por baixo.
Você também pode experimentar essa ideia com um tema iluminado pela luz do sol. Tente ignorar a cor local. Empurre tudo para os extremos de forma dramática. Tente não usar nenhuma linha.
Para a imagem da biblioteca, não usar linhas de contorno significa deixar de lado as laterais direitas das colunas e as linhas de contorno da escada. James desenhou com lápis, com uma caneta de ponta fina marcou as linhas finas e com um marcador, fez as áreas de sombra. Esse desenho foi feito durante o dia e James teve bastante dificuldade em decidir deixar o céu branco ou preto. E também foi quase impossível para ele se segurar em desenhar as linhas da direita das colunas.
Sketches feitos desta maneira se assemelham às antigas fotografias branco e preta, onde a latitude limitada do filme resultavam em áreas de forte contraste entre o branco e preto, praticamente sem meio tons.
Se você observar estas imagens na janela ‘Levels’ (ou Níveis) no Photoshop verá que o histograma se parece com um grande vale plano (sem meio tons) cm picos altos nos pretos e nos brancos
Algo interessante deste conceito de valores é que James Gurney categoriza eles dentro do tema Composição. Ou seja, valores tonais são um dos elementos que usamos para trabalhar boas composições imagens. Em breve irei abordar outras conceitos deste tipo e falaremos mais sobre composição.
Gostou da matéria? Dê um share nos links abaixo, avalie ou deixe seu comentário. Deixe também sugestões de assuntos que gostaria de ver discutido aqui no site. o/